21 de outubro de 2009

Velório

Pobre Joaquim! Já tinha tido o azar de morrer e agora precisava agüentar aquela mosca insuportável sobre seu nariz. O diabo da mosca fazia cócegas e o coitado do Joaquim não tinha como espantá-la. Morto, já no caixão, não havia meios de se mexer. Era o seu velório e se ele começasse a fazer qualquer coisa para a mosca sair de cima de seu nariz seria um espanto geral.

Mas ele pensou: “sabe quando o morto está fresquinho e passa aquela impressão de que ainda está respirando?” Ele poderia aproveitar esta deixa e tirar aquele bicho nojento dali. Talvez um último suspiro. Quem sabe ninguém notasse. Nem Mariazinha, sua esposa, debruçada naquele corpo rijo e gelado, pranteando e ebulindo, conseguia perceber o incômodo de Joaquim. Nem em seu último adeus, Mariazinha não olhou para Joaquim. Só se preocupava com sua dor.

Ah, Mariazinha, Mariazinha! Quanto sofrimento por nada! Você ainda tem a vida e eu, aqui, morto, te olhando de olhos fechados, suportando esse seu peso sobre mim, me banhando em lágrimas, nem sequer pensa em fazer uma última caridade e tirar essa droga dessa mosca do meu nariz. Ah, Mariazinha, bem que eu gostaria de te pegar de jeito e te dar um susto daqueles. Mas agora já é tarde. Assim que você sair daí vão me fechar aqui dentro. Com ou sem mosca.

Mariazinha, lembra no dia em que nos conhecemos? Era uma tarde quente de verão, durante a quermesse da cidade. Já no fim da festa, depois de flertar com você quase que o tempo todo, você me deu uma colher de chá e me deixou te acompanhar até o portão da sua casa. Bendito seja este dia! O padre logo abençoou nosso encontro e agora estamos aqui. Eu mortinho e você vivinha.

O padre chegou rápido para a extrema-unção. Mariazinha se recompôs por um momento, o padre começou a rezar e o pobre Joaquim deu seu último suspiro aliviado. A mosca, espantando-se, foi embora. E o caixão, fechado.


Por Patricia Cytrynowicz

Nenhum comentário:

Postar um comentário