28 de outubro de 2009

Hai cai

Causou desconforto
Ao pousar no mais alto
Relevo do morto.

Déborah Panachão

Mal cotidiano

Dos males
Que afligem os que se amam,
Nenhum experimentei.

Sofro de um mal cotidiano:
Ter a mim
E a mais ninguém.

déborah panachão

23 de outubro de 2009

Zoodrófila

“Eu sou a mosca que pousou em sua sopa, eu sou a mosca que pintou pra lhe abusar”

Olá! Meu nome é Raul, Ra ul. Estou aqui pra contar uma história:

A vida não anda nada fácil pra nós moscas; depois que inventaram o inseticida de ação prolongada então, aí é que a coisa ficou feia mesmo. Eu sou cantor. I’m singing in the rain ou sem chuva mesmo, mas a verdade é que cantar por aí não está me rendendo um bom dinheiro, então, resolvi virar animador de velório.

No começo tudo ia bem. Todos curtiam meu repertório, inclusive o morto. A cantarola, que todo mundo ouvia sem saber de onde vinha, cuidava de manter o mistério. Até que um dia morreu um espírita kardecista desses flexíveis, que compactuam com outras vertentes religiosas, e uma grande amiga dele, mãe de santo, apareceu para o adeus final. E os dois estabeleceram um diálogo post mortem; por vias telepáticas obviamente.

- Salve Xico!
- Salve Mãe Preta.
- De onde vem essa cantoria?
- Sei não mainha, até agora não descobri quem é esse Frank Sinatra de velório.
- Deixa eu ver se consigo alguma coisa.

Nesse momento a véia resolveu “incorporar” uma tal de pombagira. Logo pensei: isso vai dar merda. Voa daqui, voa dali, olhos penetrantes, bico flamejante. Opa! Fui localizado. Decolei da rosa vermelha da coroa enviada “Com Sincero Pesar – Da Família Pantera” e fui aterrissar nas ventas do falecido. De repente um vulto, bater de asas. Jesus Cristinho! Me salva. A colombina me achou. E agora, o que faço? Tarde demais. A gira me comeu.


[Marcos RoMa]

22 de outubro de 2009

HaiCaipira

o rai cai
na cabeça oca
e chamusca a ropa

o rai cai
na arve do campo
e mata os pombo


[Marcos RoMa]

Na matinê






Uma mosca pousou no nariz do morto. A bela jovem deitada no mármore branco, vestida com uma túnica azul, vermelha e dourada não se mexeu. Ela parecia morta, mas se você observasse bem, a moça dava a impressão de estar num estado de encantamento às avessas. Travelling panorâmico pelo ambiente, até o grande salão e exibe o rosto quase morto de Branca de Neve, muito pálida.
Chega o Principe à cavalo e corre em direção ao corpo do amada.Os anões caminham lentamente e em silêncio, e não ousam perturbá-lo. Ficam no portal como se fossem guardiões. O Principe muito mais pálido que o habitual, tem um olhar doce de profunda emoção e amor. Afasta a mosca do nariz da jovem e a abraça com paixão. Depois procura seus lábios e lhe dá um longo beijo. A platéia com a respiração suspensa até esse momento, em comoção, aguarda que a moça abra seus olhos azuis. Mas o beijo causou um efeito devastador.
Um fino filete de sangue começou a escorrer do nariz da jovem. O beijo desencandeou o desastre. O veneno e a bruxaria foram para revirar muito tempo na circulação até a síncope final. Estava bem morta.
O Principe ficou com seu manto estragado de sangue.
Branca de Neve tinha respingos no rostinho.

Patricia M.

Um a zero

Fred, eu sei que esta não é a hora certa, mas vou ter que falar. Sou seu melhor amigo, eu tenho que falar isso. Você matou a Silvinha, cara. Matou! Sabe o que é isso? Tirou ela de mim e de você. Agora ela não é de ninguém. Ou é, sei lá o que vem depois. Mas ela morreu. É como aquela história que a gente ouvia quando era menor, na casa da sua vó: veio uma fada com uma varinha mágica e puf, a Silvinha sumiu do mundo. Ou como as colas que a gente trocava na prova e desapareciam quando o professor olhava torto. Ele procurava, procurava, e nada. Quando ele se virava, você me cochichava sua frase preferida: "Um a zero pra mim".

Pra você, era tudo competição. A sua piada era mais engraçada que a minha? Um a zero pra você. O seu Corinthians ganhava do meu Palmeiras? Um a zero pra você. Eu até achava graça, e nunca liguei de perder. Aliás, esse era nosso trato. Quem perdesse qualquer disputa nunca devia reclamar nem chorar. Aí você saiu com a Sílvia só pra me provocar, só pra mostrar que era melhor que eu em tudo. Aí doeu, cara. Fiquei com raiva, quis te matar. Mas não chorei. Em vez de chorar, eu queria brigar, queria sumir, sei lá. Porque aquilo foi traição, cara. Carrinho por trás. Você sabia o quanto eu tava a fim dela. E pra que você fez isso? Pra levar a Silvinha no carro do seu pai e enfiar a cara dela num poste da Consolação? Foi pra isso?

Pô, que ideia essa de pegar o Santana do velho? Quinze anos, cara. Sem carta, sem idade. Seu pai pode ser preso, sabia? Vai ficar contente vendo o velho na cadeia, a Sílvia no cemitério? Se liga, não é assim que as coisas funcionam. Dar uma voltinha dentro do condomínio vai lá, o máximo que podia acontecer era dar uma ralada no importado de alguma baranga cegueta. Lembra aquele dia que a gente tava passando na frente da casa da dona Júlia e o poodle dela correu na frente do carro? Você desviou, passou por cima da calçada, tirou da moto parada ali e o cachorro escapou por pouco. Você, achando que tinha feito uma baita manobra, disse pro bicho: "Um a zero pra mim".

Irresponsável você sempre foi, né. Aliás, eu também, mas muito menos. A nossa disputa na escola não era para ver quem tirava as melhores notas, e sim pra ver quem recebia mais advertências da diretoria e mais suspensões. Você ganhava disparado. Começava com um a zero, eu empatava, depois você fazia três a um, seis a dois... Até quase ser expulso, aí dava uma segurada. No outro ano, começava tudo de novo.

Não posso discordar, você sempre foi melhor em tudo. Desde criança. Lembra os campeonatos de botão? Eu conseguia no máximo um empate, de vez em quando. O melhor em tudo, hein Fred! Era inclusive o mais bonito, sempre o queridinho das meninas. Tinha tantas lá na rua que davam em cima de você. A Roberta, a Lu, a Bete, puts, e até a Refugo, credo! E quem você foi catar? Logo a Silvinha...

O enterro dela foi muito, muito triste. O Fábio que disse, porque eu não quis ir. Fiquei lá em casa sozinho, pensando. Fiquei lembrando o sorriso dela, a boca que nunca beijei. Era bom o beijo dela, Fred? Me conta.

Não sei se sofri mais no dia em que ela falou que vocês estavam namorando ou no sábado em que ela morreu. Eu estava em casa, tentando tirar Stairway to Heaven na guitarra. Meu pai entrou no quarto com uma cara tão estranha que eu já adivinhava qualquer coisa. Qualquer coisa, menos aquilo. E de manhã ela havia me falado que você tinha comprado um brinco pra ela. Ela colocou na orelha e me mostrou. Estava tão linda... Você tem bom gosto, cara. Será que ela estava usando o brinco na hora do acidente?

Ah, mas não pensa que eu tô bravo contigo não, cara. Não mesmo. Ainda mais agora, depois de tudo isso. Eu sempre vou ser seu melhor amigo, sempre. E nem esse seu namoro com a Sílvia separou a gente. Olha, desculpa eu falar, não vai ficar magoado. Mas eu tinha planejado que, se vocês casassem, eu ia ser amante dela. Se ela quisesse, lógico. Pelo menos íamos ficar os três juntos pra sempre. Que tal?

É, mas agora ela morreu. Foi enterrada faz dez dias. Você aguentou um pouco mais, Fred. Até achei que ia sair dessa, os médicos deram um pouquinho de esperança. Mas ontem a esperança acabou. Seu coração parou, uma complicação com o pulmão, sei lá. Você ficou em coma por todo esse tempo, e várias vezes eu fui lá, tentar conversar. Não me deixaram entrar na UTI. Por isso tô falando agora, antes que o gordo da funerária venha fechar o caixão.

Vou sentir sua falta, cara. Saudade das nossas competições. Lembra quando a gente discutia sobre quem ia viver mais? Eu falava que ia viver até 80, você até 100, eu aumentava pra 150, aí você terminava a conversa dizendo que era imortal. Não era. Eu ainda estou vivo, finalmente ganhei uma disputa. Um a zero pra mim, Fred. Mas confesso que é uma vitória com gosto de derrota aliás, uma derrota por dois a zero. E não repara não, dessa vez eu tenho que chorar.


Eduardo Sigrist

Um talento espontâneo

Antero queria ser ator de qualquer jeito. Foram anos de estudo, mudança de cidade, dezenas de cursos, e seu tipo de gordinho-cara-de-guloso acabou rendendo figurações em meia dúzia de comerciais. Nada além disso, apesar das noites sem fim circulando pelo meio artístico em estréias, restaurantes, ensaios abertos para a classe.

Primeiro era a mãe que reclamava a falta de emprego, a ajuda em casa. Depois, passada a fase da paixão nova, até o namorado começou a ficar incomodado, e sugeria Meu bem, por que você não tenta outra coisa até que a carreira decole?Mas, irredutível, Antero seguia perseguindo seu sonho até que soube de um teste de seleção para o elenco de um mega espetáculo. Animado, vestiu sua melhor roupa, fez caras e bocas e, para sua surpresa, foi aprovado.

Parecia delírio atuar ao lado daquela que era a sua musa, a atriz mais premiada do país e um elenco de tamanho porte. Estranhou que não lhe entregarem o roteiro. Também não o chamaram para a primeira leitura conjunta, nem mesmo para os ensaios, mas depositaram na sua conta o valor correspondente àquelas semanas. Só soube o papel no dia do ensaio corrido. Ele seria o falecido coronel, sendo que metade da ação se passava num velório.

Nem dormiu direito na véspera daquela estréia badalada, com direito a paparazi, sua família e o namorado nas primeiras fileiras. Primeiro sinal, segundo sinal, terceiro sinal e a peça começou, intensa. Da coxia, o aspirante assistia a tudo, coração aos pulos, só esperando sua hora de entrar e, finalmente, decolar na carreira. E no tempo combinado, espremeu o corpo robusto dentro do caixão, e mesmo sem falas, era consciente da sua importância na história.

Tudo ia bem, a história caminhava para o clímax, até que um maldito inseto começou a rondar sua face. Quando veio a ferroada, num reflexo absolutamente humano, ele ergueu a mão, abateu o bicho, e o movimento fez o caixão cair do suporte. O teatro veio abaixo de tanto riso, os fotógrafos fizeram a festa e, no final, aquilo que era para ser drama, virou comédia. E nunca mais Antero quis passar perto de uma porta de teatro.

Laura Fuentes

Drosophila Melanogaster

E aí? Veio todo mundo? Não, nem todo mundo. Cadê o Onofre? Aquele desgraçado deve estar enchendo a cara por aí. É o jeito dele encarar toda situação adversa. Tudo bem. Pelo menos ela veio. Sabia que viria. O que é isso em seu rosto? Não chora, minha filha. Por favor. Não chora pois não posso chorar junto com você. Não te vejo a quantos anos? Não quero te rever chorando. Que flores são essas? Flores do campo? Eu lembro de ter especificado que queria rosas. Mas tudo bem. Sem crise. Não é hora de crises. Não mais. Pelo menos são cheirosas e... Mãe, você veio!Me desculpe. Sei como é difícil para você sair de casa. Quem te trouxe...? Ah, Camila. Que bom que você existe, mana. Desculpe tudo o que eu disse. Eu estava irritado, cheio de problemas. Você não tem culpa nenhuma. Você trouxe o Julinho também? Não precisava. Não queria que ele me visse assim. Bom, ele não parece ter se importado muito, se lambuzando com um sorvete. Hum, sorvete... Foco! Não se distraia. Quem... Abreu, meu fiel advogado. Conto com você, hein? Não me decepcione. Jacaré! Acho que nunca te vi de terno. Está elegante, rapaz. Juca? Juca, grande Juca! Só você para vir com uma mulher diferente em cada ocasião. Hoje não ia ser diferente, não é? Juca, o etéreo apaixonado por todas as mulheres do mundo. Tão diferente de mim, né Anita? Ah, minha doce Anita. Sei que não foi como você planejou. Mas acontece. Levante a cabeça e siga em frente. Você tem tanta vida pela frente. Não desperdice esse tempo. Quê? Já? Mas ainda não... Espera, não fecha. Rápido, rápido! Ufa. Consegui. Ainda bem que tenho um narigão. Pronto, pode fechar. Foi o suficiente. Obrigado, obrigado por este último desejo, quem quer que você seja. Sempre quis ser uma mosquinha em meu velório. Obrigado.


Alexandre Heredia

21 de outubro de 2009

Haicai

A pupa pulsa.
No casulo, desperta.

Ninfa liberta.

RicardoDelfin

Velório

Pobre Joaquim! Já tinha tido o azar de morrer e agora precisava agüentar aquela mosca insuportável sobre seu nariz. O diabo da mosca fazia cócegas e o coitado do Joaquim não tinha como espantá-la. Morto, já no caixão, não havia meios de se mexer. Era o seu velório e se ele começasse a fazer qualquer coisa para a mosca sair de cima de seu nariz seria um espanto geral.

Mas ele pensou: “sabe quando o morto está fresquinho e passa aquela impressão de que ainda está respirando?” Ele poderia aproveitar esta deixa e tirar aquele bicho nojento dali. Talvez um último suspiro. Quem sabe ninguém notasse. Nem Mariazinha, sua esposa, debruçada naquele corpo rijo e gelado, pranteando e ebulindo, conseguia perceber o incômodo de Joaquim. Nem em seu último adeus, Mariazinha não olhou para Joaquim. Só se preocupava com sua dor.

Ah, Mariazinha, Mariazinha! Quanto sofrimento por nada! Você ainda tem a vida e eu, aqui, morto, te olhando de olhos fechados, suportando esse seu peso sobre mim, me banhando em lágrimas, nem sequer pensa em fazer uma última caridade e tirar essa droga dessa mosca do meu nariz. Ah, Mariazinha, bem que eu gostaria de te pegar de jeito e te dar um susto daqueles. Mas agora já é tarde. Assim que você sair daí vão me fechar aqui dentro. Com ou sem mosca.

Mariazinha, lembra no dia em que nos conhecemos? Era uma tarde quente de verão, durante a quermesse da cidade. Já no fim da festa, depois de flertar com você quase que o tempo todo, você me deu uma colher de chá e me deixou te acompanhar até o portão da sua casa. Bendito seja este dia! O padre logo abençoou nosso encontro e agora estamos aqui. Eu mortinho e você vivinha.

O padre chegou rápido para a extrema-unção. Mariazinha se recompôs por um momento, o padre começou a rezar e o pobre Joaquim deu seu último suspiro aliviado. A mosca, espantando-se, foi embora. E o caixão, fechado.


Por Patricia Cytrynowicz

19 de outubro de 2009

Alívio

A gota brilha
O sol escorre
Vem o sorriso

Por Patricia Cytrynowicz

Chuva

O vento vem
As folhas dançam
Anoitece

Por Patricia Cytrynowicz

18 de outubro de 2009

haicai Déborah Panachão

Entre o céu sem fim
E a pétala da flor
A borboleta



Na terra seca
Um sorriso se deita
É chuva que vem

17 de outubro de 2009

Amor aos pedaços

Eu estava lá, recém-parida, no chão, às moscas. Eu sabia que em pouco tempo iria chamar a atenção, mas enquanto não passava ninguém por ali, eu estava à mercê do tempo, apodrecendo como um resto de entranhas abandonado, como um escarro na lápide.

Ao longo da história da humanidade eu havia provocado diversos tipos de reação: nojo, alívio, cobiça, curiosidade. Mas a verdade é que na maioria das vezes eu era sempre eliminada. Sempre menosprezada. Sempre o resto.

Muitas vezes fui esmagada, espalhada, disseminando mal-agouro, fedor. Juntei vermes, juntei doenças, juntei menosprezo, juntei ódio, juntei pragas, juntei mal-dizeres. Nunca ouvi uma palavra de consolo, de compreensão. Até que, jogada na rua, começando a fazer o mal que sempre fiz, um cachorro me cheirou e me quis.

Por Patricia Cytrynowicz

16 de outubro de 2009

Bestiário Besta

A besta é tão besta que me atormenta bestamente. Quando acordo, quando durmo, quando sonho. É uma aflição que parece sombra. Que é como alma penada. Que se enrabicha feito cobra, que gruda feito feitiço, que não desarma nunca. Que faz ranger os dentes e dá frio na barriga. Cruz credo vai-te retro! E lá se foi o medo.

Patricia Cytrynowicz

Palavra

Espada afiada, certeira.
Se não mata deixa cicatriz profunda.
Exata.
Fim súbito da respiração.
Do coração.
Corpo gelado.
Morte cortante. Pontual.

Patricia Cytrynowicz

15 de outubro de 2009

peso leve

Mini conto


Peso Leve

André entregou o papel ao pai. Era a terceira suspensão naquele mês. O pai tentou suportar, mas o papel o golpeou sem compaixão. Atingido, o homem comparou as notas baixas do filho com o preço alto da escola. Atordoado, cuspiu a história de sua infância e de como soube aproveitar o pouco que a vida lhe dera. Acuado, jogou-se nas cordas : “Três dias em casa?”. Nocauteado, pegou o telefone: “Sua mãe já sabe disso?”. André negou.
Enquanto o pai combinava com a ex-esposa qual deles faltaria no emprego, o garoto presenciava encantado o poder daquele papelzinho que sempre conseguia fazer com que seus pais se falassem de vez em quando.

Déborah Panachão

O Divã


Hoje tem divã. E estava atrasada. Chegava sempre atrasada na terapia. Levei mais tempo no banho que o habitual e minha cabeça estava à mil. Não sabia o que vestir e fiquei olhando o guarda-roupa aberto. Vesti o de sempre: jeans, camiseta e tênis. Não sabia combinar roupas e acessórios como fazem as moças mais vaidosas. Comecei a rir em frente do espelho quando imaginei que viveria muito feliz e tranquila na China, vestida de azul para sempre, com sapatilhas pretas. Estiquei meus olhos like a chinese girl no espelho. Terapia !
Hoje eu ia falar tudo. Já estava naquele divã há dois anos e não conseguia ir além do cotidiano, da trivialidade superficial. Rodopiava em círculos no consultório confortável. Aquele divã era meu refúgio e masmorra. Não tinha coragem de olhar a terapeuta. Dependendo do dia, o divã virava foguete em direção à Lua, colchão de folhas , barco à vela ancorado, o gigantesco Titanic indo à pique, bote à remo deslizando no vagalhão, prédio em chamas, um Joelma de aflições. Às vezes, o divã chorava copiosamente e emudecia. Outras , eu era lançada e despencava em Chernobyl. E eu, morria imediatamente , intoxicada. Tossia, bebia água e sentia vontade de vomitar. O divã era mágico: virava sala de dança, cama de solteiro desarrumada, sessão de cinema com balinha de hortelã, quarto de hotel da Major Sertório, boate gay loka ou o lindo altar da igreja São Luis. Um divã muito doido.
O metrô , por conta da chuva pesada, estava mais lento. Olhei o relógio , chegaria fora do horário e a terapeuta ia descontar todos os minutos. Quarenta e cinco minutos espremiam-se em trinta. Quando chegou no Anhangabaú, estacionou de vez. No alto-falante avisaram que a Sé tinha problemas. Um "objeto" nos trilhos. Fico sabendo que o treco jogando na linha, era um corpo dilacerado, um suicida.
Terapia, terapia, terapia. Comecei a suar dentro do vagão e olhava o relógio de forma obsessiva e para a pequena sacola que carregava. Um presente. Ouvi que hoje era o aniversário da terapeuta e por impulso comprei um mimo. Hoje eu não ia deitar no divã. Ia encará-la. Dois anos afogada em palavras, imagens e delírios. Aquele divã idiota. O trem andou novamente e eu já estava muito suada de aflição. Imaginei o corpo estraçalhado retirado pelos paramédicos dos trilhos. Deviam removê-lo com pincéis ou uma pá ? Arrepio. Terapia !
Hoje não tem divã. Entrei no consultório, que tinha cheiro de folhas úmidas e perfume suave. Caminhei quase correndo para a sala e sentei na poltrona em frente à dela.
Aquela mulher madura tinha o rosto da atriz Jane Fonda, nos anos 70.
- Não prefere o divã ?, disse.
- Hoje não, respondi. Trouxe um presente prá você. Sei que é seu aniversário. Ouvi na recepção. E estendi a sacola para ela. A terapeuta levantou as sobrancelhas , surpresa.
Disse de forma atabalhoada que tinha atrasado por conta de um suicídio na Sé, nos trilhos do metrô. Estendi uma caixa rosa pequena com uma fita estrombólica para ela.
- Feliz Aniversário ! - e olhei seus olhos hollywoodianos.
A psicóloga abriu a caixa com cuidado e olhou o jogo de damas feito por um designer.
- Um jogo de damas ? , disse e sorriu. Que peça bonita !
- Sim , achei lindo ! , respondi . Olhei fixamente para a Barbarella e disparei:
- Uma dama come a outra.

Pronto, desabafei. Início de sessão: saí do armário.

Patricia M.

* Imagem, escritório do dr.Freud, seu divã

Holocausto negro

Os olhos parecem prestes a sair do rosto. Vidrados, olhando sem ver. A cabeça, maior que o corpo infantil e escuro, coberto de poeira. Cotovelos e joelhos escapam para fora dos membros. A alma já é maior que a carcaça. Uma mosca pousa em sua barriga. Não há ânimo para espantá-la. Deixe-a, não encontrará migalhas para lambiscar.

Valéria Piassa Polizzi

"O Domador de Furacões" por Bruno Cobbi

Tempest Elemental by Wizards of Coast
"Tempest Elemental" by Wizards of Coast

Era um ciclone com nada além de desordem na cabeça, corpo, alma e coração. Como pipa solta em tempestade, girava entre pensamentos, atitudes, escolhas e fatos — de hoje e ontem — e nada se construía diante dele. Ou por suas mãos. Pelo contrário, algum deus furioso e sádico insistia em emprestar-lhe seus relâmpagos incessantes, outorgando-o a despejá-los sobre a vida morna que havia construído. Tudo exatamente como o cigano professara meses atrás, durante a quaresma.

14 de outubro de 2009

Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo

:: Manoel de Barros
:: Editora Record, 2001

Você, que vai ler esse livro, será como voar deitado nas plumas macias do dorso de um passarinho, e voar.

Ana Miranda

O Marujo Endiabrado - Bestiários Breves




Patricia M.

O Comodoro Van Hyck era um mentiroso, bêbado e celerado. Eu não confiava nenhum pouco nele, mas admirava sua experiência no mar. Ele não gostava de mim, sabia das minhas histórias escabrosas, mas eu era um marujo que tinha nascido embarcado. Eu não conseguia viver em terra muito tempo. Navegava por instinto. Era o seu segundo homem no comando da fragata holandesa. A viagem até o Sul do Atlântico , pela costa brasileira foi medonha. A tripulação estava muito inquieta com alguns acontecimentos sobrenaturais e falta de ventos. Os homens embarcados são muito sensíveis as alterações do clima, aspectos das nuvens, correntes e vagalhões.
Havia uma interferência , o astrolábio e as cartas marítimas da região mantinham a posição, mas as estrêlas indicavam outra rota. Sem ventos , ficávamos ancorados em alguma baía. Era desesperador. O grumete que servia rum e as refeições ao Comodoro, avistou ao anoitecer uma sereia à estibordo. Começou a gritar feito louco, encantado. Não sei quanto tempo durou a alucinação, mas o garoto quase atirou-se ao mar em desespero. Foi impedido por dois marujos , que o surraram sem piedade. Jogaram-no no porão desmaiado.
Todos tinham medo das lendas que cercavam a região pouco explorada e da estranheza da paisagem exuberante e intocada. As sereias do Atlântico imperavam na imaginação da marujada. E os monstros marinhos dos confins do oceano na em direção a Tristão da Cunha. Para mim não havia isso. Eu sabia que o oceano sempre terminava em algum porto fedorento, em alguma taberna esfumaçada e encardida de carvão, em frente a um prato de peixes com batatas e cerveja escura e na penumbra de um quartinho imundo com algum corpo que eu mal conhecia.
Sei que nos diários de Marco Polo havia relatos de avistamentos de sereias. Mas o meu problema não eram elas, porque eu apreciava sexo com a tripulação, e preferia os garotos aprendizes. Queria corpos de homens. Fui pego em flagrante com um auxiliar da cozinha e fui encarcerado imediatamente.
Julgado sodomita pelo Comodoro, fui deixado numa praia próximo da cidade de Recife. Os marujos foram bondosos comigo, porque junto a minha carcaça destroçada, atiraram um barril de água salobra, um facão e uma frigideira velha e uma Bíblia com a capa em pedaços. Para tanto pecado no corpo, só havia uma solução: morrer naquela solidão. Tantas loucuras cometi e fiquei repetindo na praia que Deus Todo-Poderoso podia me punir da forma que desejasse. Eu era um marujo endiabrado, sem Norte, Sul, Leste ou Oeste. Sem Latitude nem Longitude. Comecei a desenhar na areia minha rota e saber onde estava. Uma praia deserta, nos trópicos, quase desmemoriado e em choque. Fui tatuado em brasa, tive os dedos esmerilhados, sem alguns dentes na boca e meio cego da surra que levei do Comodoro. Minha alma e consciência ardiam.
Achei um riacho que água doce e não sei quanto tempo fiquei lá emborcado. Desmaiei de pavor de saber que estava totalmente só. Durante dias dormi embaixo de coqueiros e improvisei uma cabana de palhas. O sol ficava cada vez mais forte e minha pele abriu-se em chagas. Eram ondas de calor que eu não conseguia aguentar. Acordava assustado, remoendo meu pecados e loucuras e invocava a Deus, que me tomasse pela mão e me levasse para o Inferno.
Passava os dias caminhando pela praia, catando sementes, atirando pedras em passarinhos, abrindo barrigas de tartarugas gigantes. Bebia água do riacho e comia peixes crus. Minha alma não tinha perdão. Queria me atirar do alto das pedras ,os crimes passavam ao largo como caravelas, os mutilados, as dezenas de corpos que degolei sem piedade. Os negros escravos que torturei sem clemência. Dos selvagens sem Deus das Terras Novas do Atlântico e Caribe, que matei sem compaixão. E também as recordações mais inconfessáveis, essas que não ouso dizer o nome.
À tardinha, vi uma ave caindo morta na minha frente: mau presságio.
Mas como já estava de partida para o Inferno, assei-a devagar na areia escaldante e comi com prazer. Deus me levou na Barca do Condenados, à noite, depois de uma febre intensa com delírios e de uma severa crise de diarréia. Na agonia, lembrei que tinha bebido sangue de uma tartaruga, animal sagrado do mar, porque me sentia muito enfraquecido.
Um coro rezava e outro gritava impropérios ao meu redor:
- Sodomita, sodomita, não vai para o Paraíso !

PÉTALAS DE OUTONO


Era tarde de outono. O sol, sempre lindo nesses dias, fazia vibrar meu coração, tão grande a sua luz. Uma brisa. Um sopro dos lábios de mãe sobre a ferida sapeca de um garoto perdido. No canteiro de margaridas, suave, rancou um teco da corola, que voou livre para a incerteza. Infante - meus olhos nunca esqueceram aquela imagem - eu pedalava destemido seguindo a pétala que se apoiava no vento. Parecia mágica, parecia vida. Quanto mais eu pedalava mais o lago crescia. O vento cessou. Era o fim? Amarela, caiu sobre o brilho das águas. Cheguei a tempo de ver a imagem refletida: uma flor.

[Marcos RoMa]

CORAÇÃO DE BESTA



POVARZT. Seu tamanho é o de quem o alimenta. Grotesco, é feito de lixo. Todo lixo produzido no mundo por gente como você e eu. POVARZT fede mas é meigo. Disse meigo e não bom. Cuidado, ele pode acabar com seus sonhos em milésimos. Basta piscar. Melhor não pensar nele, então. POVARZT vive no coração. Vive do seu medo. Joga uns contra outros e outros contra milhares. Os que sobrevivem são os que agem, os que caminham. E por que caminhos caminham? Não sei. De tanto feder e pensar, já morri!

[Marcos RoMa]

13 de outubro de 2009

Tarô dos orixás

Tarô dos orixás

Casei-me com um dragão. Escamas reluzentes, olhar afiado, cauda poderosa. Asas pra me levar pra onde eu quisesse. E aquele fogo. Quem resistiria? Mulher alguma resistiria. Eu não resisti.
Na maior parte do dia ficávamos na caverna. Ninguém entrava. A entrada propositadamente chamuscada mantinha os curiosos à distância. Os tesouros reunidos no interior do covil, acumulavam-se aos meus pés. À noite, ele saía. Sobrevoava aldeias calcinando lavouras e choupanas .
Meu pai, o ferreiro, forjava em segredo uma espada para vingar tanta destruição. Já minha mãe, sonhava em voar um dia nas asas de um dragão como o meu.
Diz o tarô que dragões adoram a liberdade. O meu dragão não era diferente. Começou a se demorar nas suas saídas noturnas e quando perguntei o motivo, bufou e soprou seu fogo sobre mim. Tentei fugir, mas quem foge de um dragão? Mulher alguma foge de um dragão. Sucumbi.
Numa manhã, enquanto ele dormia, deixei meu pai entrar. Foi então que soube da espada. O golpe foi certeiro. O sangue do meu dragão escorreu azul até minhas havaianas. Chorei como nunca abraçada àquela cabeça de réptil crescido. O ferreiro foi levado pela polícia. Estava algemado, mas era aclamado como herói: Ogun, Ogun!
E eu? O que faria agora? Talvez voltasse a ler tarô para os turistas na areia.

Deborah Panachão

8 de outubro de 2009

A besta

Cerebrino é seu nome. E acho que todos possuem um. Eu, com certeza. Em certos sonhos o sinto deslizando pelo meu telencéfalo. Vagarosamente, do hemisfério esquerdo ao direito. Se esgueirando das ondas de corrente elétrica provocadas pelos meus 86 bilhões de neurônios. É minúsculo esse ser. Pegajoso como um bicho de goiaba. Mas liso. Feito de meleca de nariz, por sua vez, composta de poluição e dejetos deste mundo. Se alimenta de idéias descartadas. Sempre à espreita, aguardando o hospedeiro ter um plano sinuoso, uma inspiração divina, uma solução cabível. Daquelas que só aparecem à noite. E brilham. Mas ao amanhecer, são encapsuladas com um tal senso de ridículo. E, assim, saboreadas pela criatura.

Valéria Piassa Polizzi

Acerte o bicho

Boa noite. Estamos começando mais um “Acerte o Bicho”. Neste programa, nós damos algumas dicas, algumas informações sobre um animalzinho escondido. E quem acerta o nome ganha um prêmio-surpresa, que só será revelado no final.

Vamos lá, então? O bichinho desta noite é bem conhecido, apesar de ser uma espécie recente na sauna tupiniquim. O macho desse animal tem uma tonelada de músculos e um vocabulário riquíssimo e eclético, formado por palavras que vão desde neologismos de baixo calão até arcaísmos que remontam à Idade da Pedra, como o grito de guerra “Uhu”. No gênero feminino, apresenta-se no formato curvilíneo e oxigenado e veste calcinhas do tamanho do PIB da Tanzânia, que mal conseguem proteger seu monte Kilimanjaro.

Esse animal é bem safadinho e adora se esconder debaixo do cobertor para acasalar. De hábito noturno, é visto diariamente em uma jaula quadrada ligada à corrente elétrica, durante o horário nobre. Está sempre malhando. Às vezes, quando se sente muito bem disposto, consegue simultaneamente malhar e falar besteira (esta última tarefa, diga-se de passagem, ele realiza com perfeição).

Alimenta-se, entre uma bebida e outra, de fama e sonhos de grandeza. Algumas espécies sonham em ser estrelas da TV. Outras querem apenas ganhar um milhão e desaparecer (para nossa felicidade). Mas a maioria acaba mesmo é sem nada, inclusive sem roupa, e pode ser vista por aí, pendurada nas paredes das melhores borracharias.

Apesar de ter uma vida útil bastante curta, esse animal está se proliferando pelo Brasil e pelo mundo, e hoje já virou uma praga. Infelizmente esse problema não tem recebido atenção do Ministério do Meio Ambiente, que disse estar mais preocupado com um tipo de perereca que está inviabilizando uma obra do PAC.

Então, já adivinhou de quem estamos falando? Hoje foi fácil, né. Apesar de ninguém querer admitir, todo mundo conhece esse animal. É o participante de reality show! Isso mesmo! E o prêmio desta noite é... uma dúzia de ovos podres! Porque o nome do programa é “Acerte o Bicho”! Se for bem no meio da testa, melhor.

[Eduardo Sigrist]

BESTIÁRIO BREVE: ARCANAEL

O nome da criatura é uma fusão da palavra Arcanjo (do grego: ἀρχάγγελος) que significa Anjo Superior, com a palavra Natanael (do hebraico Netan'el) que significa prenda de Deus...
Arcanael seria o oitavo Arcanjo de Deus segundo a Mitologia judaica, ou o quinto Arcanjo segundo a mitologia católica. Foi criado a partir de uma polução noturna (daí o nome prenda) e por isso seu corpo, exceto suas asas - feitas das escamas do primeiro leviatã -, é feito de esperma empedernido, o que confere um brilho peculiar à sua pele e olhos. Sua altura é o fato que levou os homens a cunharem termos como instabilidade e inconstância.
Arcanael não tem temperamento, tem uma missão.
Vive nas brumas que se formam próximas aos portos e cais, em dias de tempestade.
Alimenta-se, basicamente, de genitálias, ânus e excrementos de travestis, ou, quase nunca, de genitálias, ânus e excrementos de homens e mulheres.
Algumas vezes, nutre-se de vontades ou de ranços que sobram das discussões e brigas humanas, mas só quando não está em missão.
O produto de sua digestão é embalado em sacos plásticos de dez centímetros de comprimento, por doze de largura, e é armazenado a 22ºF na dispensa de Deus que, por sua vez, deglute-os como petisco enquanto assiste aos filmes de Truffaut, Glauber Rocha ou David Lynch.
Sua atividade principal é atacar travestis à beira do cais e dividir com os marinheiros, os dólares que recebe como paga por suas missões. Bebe, fuma, cheira e se mistura entre os homens, muitas vezes assumindo a forma de uma puta ou de uma criança.
Para cultivá-lo basta inaceitar a construção institucionalizada de palavras e termos da conversação ou da escrita. (Cultivá-lo, na maioria das vezes, significa a morte). Os poetas e músicos - para ele, todos travestis - criadores de neologismos e formas ditas inapropriadas, são os que têm mais êxito na cultura de Arcanael pois - acham que sonham devaneios assim - são artistas e porquanto as criaturas que mais se aproximam de Deus. "É... sonhar não é proibido, nem é pecado e, ainda, é de graça", um dos ditados favoritos de Arcanael que ri de seus amigos do cais.
Há poucos registros da presença de Arcanael entre os homens. Talvez porquê todas as narrativas daqueles que travaram contato ele são póstumas (como a que segue abaixo) e quem, pelo amor de Deus, é dado a essas coisas?!

Maria Anunciação

Tento inesquecer tudo o que desdisse,
naquela noite, no porto, a ponto
de expirar, de expelir, naquele vestido
azul, linda como um anjo, junto aos
marujos, inesperando qualquer hora,
implorando qualquer um, tão mariliana,
quase nua, vendo ele chegar,
vindo ao meu encontro, revendo
o bêbado ganhar outra estatura,
cúmplice da incorporação, redimida
pela novidade, inquieta pelo pecado,
triturada de anseio, embolsando
aqueles dólares, antifonando aquele
gozo, odeadiando o momento,
clientelada pelo homem do meu sonho,
pelo ventre nunca cheio, completa,
engolindo até as penas, com as rótulas
embrasadas, de soslaio para o cais,
de cara para o convés, coberta pela
sombra das asas, com os olhos no meio
da testa, e, as tetas caídas no chão,
uma de cada lado, decantando músicas
sem nota alguma, violentada pela
descoberta, descobrindo a fúria angélica,
arroxeando os olhos, quase cega, sem ar,
já desmaquiada, cuspindo até os dentes,
desentendendo àquela ação, em vão justificada,
comida pelo meio, pelo medo, pelo rabo,
inafundando sob as ondas, impedida de ir,
tendo que volver, voltando a partir,
rezando pracamalmar, culpada por ter pinto,
vendo e amando os pés de Arcanael,
que voou para o céu, depois que me afogou no mar.


Tiago Araújo

TEMORES ETÉREOS



Entrego-me
Ao dragão, vencido.
De anelos roubados, padeço.
Nem o alvor da minha fronte
Encobre o sáurio
Em mim.
[ Microconto | Ricardo Delfin ]