17 de outubro de 2009

Amor aos pedaços

Eu estava lá, recém-parida, no chão, às moscas. Eu sabia que em pouco tempo iria chamar a atenção, mas enquanto não passava ninguém por ali, eu estava à mercê do tempo, apodrecendo como um resto de entranhas abandonado, como um escarro na lápide.

Ao longo da história da humanidade eu havia provocado diversos tipos de reação: nojo, alívio, cobiça, curiosidade. Mas a verdade é que na maioria das vezes eu era sempre eliminada. Sempre menosprezada. Sempre o resto.

Muitas vezes fui esmagada, espalhada, disseminando mal-agouro, fedor. Juntei vermes, juntei doenças, juntei menosprezo, juntei ódio, juntei pragas, juntei mal-dizeres. Nunca ouvi uma palavra de consolo, de compreensão. Até que, jogada na rua, começando a fazer o mal que sempre fiz, um cachorro me cheirou e me quis.

Por Patricia Cytrynowicz

Um comentário:

  1. bom desenvolvimento do tema implícito. parece q o tema será a dita cuja, mas se revela soberbo no final. o título é melhor ainda...
    abraço,

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