22 de outubro de 2009

Um talento espontâneo

Antero queria ser ator de qualquer jeito. Foram anos de estudo, mudança de cidade, dezenas de cursos, e seu tipo de gordinho-cara-de-guloso acabou rendendo figurações em meia dúzia de comerciais. Nada além disso, apesar das noites sem fim circulando pelo meio artístico em estréias, restaurantes, ensaios abertos para a classe.

Primeiro era a mãe que reclamava a falta de emprego, a ajuda em casa. Depois, passada a fase da paixão nova, até o namorado começou a ficar incomodado, e sugeria Meu bem, por que você não tenta outra coisa até que a carreira decole?Mas, irredutível, Antero seguia perseguindo seu sonho até que soube de um teste de seleção para o elenco de um mega espetáculo. Animado, vestiu sua melhor roupa, fez caras e bocas e, para sua surpresa, foi aprovado.

Parecia delírio atuar ao lado daquela que era a sua musa, a atriz mais premiada do país e um elenco de tamanho porte. Estranhou que não lhe entregarem o roteiro. Também não o chamaram para a primeira leitura conjunta, nem mesmo para os ensaios, mas depositaram na sua conta o valor correspondente àquelas semanas. Só soube o papel no dia do ensaio corrido. Ele seria o falecido coronel, sendo que metade da ação se passava num velório.

Nem dormiu direito na véspera daquela estréia badalada, com direito a paparazi, sua família e o namorado nas primeiras fileiras. Primeiro sinal, segundo sinal, terceiro sinal e a peça começou, intensa. Da coxia, o aspirante assistia a tudo, coração aos pulos, só esperando sua hora de entrar e, finalmente, decolar na carreira. E no tempo combinado, espremeu o corpo robusto dentro do caixão, e mesmo sem falas, era consciente da sua importância na história.

Tudo ia bem, a história caminhava para o clímax, até que um maldito inseto começou a rondar sua face. Quando veio a ferroada, num reflexo absolutamente humano, ele ergueu a mão, abateu o bicho, e o movimento fez o caixão cair do suporte. O teatro veio abaixo de tanto riso, os fotógrafos fizeram a festa e, no final, aquilo que era para ser drama, virou comédia. E nunca mais Antero quis passar perto de uma porta de teatro.

Laura Fuentes

Nenhum comentário:

Postar um comentário