4 de novembro de 2009

A Baleia - Herman Melville

Caso fosse perguntado em seu leito de morte qual de suas obras tinha mais orgulho de ter criado, Herman Melville provavelmente não teria citado aquela que o levou à posteridade. Escritor propenso à aventuras (não só literárias), experimentou o sucesso com seus primeiros livros, Typee (1846) e Omoo (1847), inspirados em suas reais aventuras no mar, quando finalmente decidiu arriscar-se, suplantar a barreira do “autor de massas” e tornar-se um artista respeitado. Para essa empreitada ele inspirou-se em um trágico evento real: em 1820 o baleeiro Essex foi afundado por uma baleia no meio do oceano pacífico, vitimando dezesseis dos dezenove tripulantes da embarcação. Melville fez uma intensa pesquisa investigativa sobre o caso, chegando a entrevistar os sobreviventes pessoalmente. Assim surgia, em 1848, A Baleia, longa e minuciosa reportagem a respeito não apenas do incidente, mas dos torturantes dias que os marinheiros lutaram contra a natureza e a loucura enquanto navegavam a deriva pelo oceano, longe de quaisquer rotas ou esperanças de resgate.

Infelizmente dois fatores contribuíram muito para o fracasso editorial de A Baleia. Primeiro o tom folhetinesco com o qual Melville tratou a tragédia. Um dos sobreviventes, Thomas Nickerson, chegou a ameaçar processar o autor, mas o processo não avançou pois na mesma época Nickerson teve sua vida devastada com o descobrimento que ele e os outros dois remanescentes do afundamento do Essex recorreram ao canibalismo durante seus aflitivos dias à deriva. Pior: chegaram a realizar sorteios para decidir quem seria executado e servido aos restantes. O escândalo preocupou os editores de Melville, que recolheram a obra das livrarias poucos dias após seu lançamento.

Capa da única edição remanescente de "A Baleia",
atualmente exposta no Museu Herman Melville em ArrowHead

Desesperado, Melville percebeu que, de modo a conseguir aproveitar aquela história e, ao mesmo tempo, ser reconhecido como artista de respeito, deveria adaptá-la. Desconstruí-la como fato e reconstruí-la como alegoria. Precisava se afastar dos detalhes mais grotescos e aprofundar-se na alma dos personagens. Assim nasceram tanto Moby Dick, a baleia, quanto Ismael e Ahab. Do original sobrou apenas o fato de uma baleia ter afundado um navio. Até a raça da baleia ele mudou, trocando a cinzenta cachalote pela poética baleia branca. Em 1851 Moby Dick chegou às livrarias.

Mas Melville se precipitou. Lançou sua obra mais ambiciosa apenas três anos após o estouro do escândalo do canibalismo no Essex. Seu livro foi recebido com frieza tanto pelo público quanto pela crítica, o que o fez retornar de vez à literatura de aventura. Diferente de Ahab em seu derradeiro encontro com Moby Dick, Melville não deixou que sua criatura o arrastasse às fossas de uma obsessão.

Mas é em A Baleia que vemos um outro Herman Melville. Vemos lá um autor dando os primeiros passos em direção a uma maturidade artística. Maturidade essa que podemos comprovar, a despeito do fracasso em seu lançamento, em Moby Dick. Mas também vemos lá uma obra que, caso fosse lançada em outras circunstâncias, poderia retirar de Truman Capote o título de criador do estilo “romance não ficcional” com seu A Sangue Frio, lançado mais de cem anos depois.

Ironicamente, em 2001 o autor americano Nathaniel Philbrick lançou o livro No Coração do Mar, que narra a tragédia do Essex nos mínimos detalhes jornalísticos. A obra foi baseada nos diários do próprio Thomas Nickerson, que encontravam-se perdidos até 1980. Por este livro Nathaniel ganhou o National Book Award daquele ano.

Em seu leito de morte provavelmente Herman Melville não citaria nem A Baleia nem Moby Dick, o que é uma pena. Mas tudo bem. Caso A Baleia tivesse sido um sucesso em seu lançamento, provavelmente nunca conheceríamos Moby Dick, uma das obras mais influentes da literatura mundial.

Por Alexandre Heredia

3 comentários:

  1. querido autor desconhecido: exercício magnífico. bem amarrado e sedutor.
    poderia ter mais pistas falsas e se o livro original realmente não existisse seria um golpe de mestre.
    vc pode criar uma capa para tal edição original. q tal?
    de repente descolar uma crítica ao livro original...
    em todo caso, parabéns...

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  2. Edson,

    inseri minha assinatura após o texto. Esquecimentos típicos de escritores insones.

    O livro "A Baleia", como retratado no texto, nunca existiu. Melville realmente se inspirou no caso do Essex, mas desde o começo partiu para o universo ficcional. ESTA é a verdadeira pista falsa que, a meu ver, deu a credibilidade necessária para enganar o leitor.

    Vou pensar sobre uma capa para a edição original.

    Valeu!

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  3. Como assim, não existe esse livro? É claro que existe. Está aqui na minha biblioteca a primeira edição de A Baleia, ou melhor, The Whale, pois tenho a obra original, e autografada por um dos sobreviventes do Essex.
    Mas não adianta insistirem, não empresto, não vendo.

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