10 de novembro de 2009

O jardim sem nome






" Esse jardim é feio e brutal. Vai ferir a pureza da praia".

Assim destacou em artigo virulento, o advogado, poeta e ensaísta Vicente de Carvalho, na sua coluna do Jornal A Tribuna de Santos de 1924. O poeta defendia que a construção de um jardim na orla da praia seria uma aberração e manifestou-se em carta ao Presidente da República, Epitácio Pessoa, que impedisse que o projeto fosse em frente. O jornal rival, Gazeta do Povo , porque naquela época Santos gozava de vozes que eram dissonantes e polêmicas, abriu fogo em editorial de página inteira, apoiando a ideal de um jardim litorâneo, com a praia protegida de "especuladores ricos" que pensavam em construir residências de luxo no local.
A população começou a acompanhar com muito interesse e foi até para as ruas , manifestar apoio ou repulsa. E foi como um rastilho de pólvora. Manifestantes contra a posição do Jornal A Tribuna atearam fogo ao prédio. Mesmo assim, a obra prosseguiu e a curiosidade é que apesar de já ter sido incluído na lista do recordes do Guiness Book, o jardim litorâneo de sete quilômetros não tem nome. Não foi batizado.
Não sei qual foi o engenheiro que imaginou e fez o traçado sinuoso. Mas os registros fotográficos são abundantes. Ninguém sabe quem iniciou a semente do jardim, que disputa a paisagem de uma baía fechada e de entornos simples e tímidos. Eu imagino o início suarento da obra, os trabalhadores simples, unindo as pedras sob o solo arenoso, nunca encaixe perfeito das pedras vermelhas, cinzas, brancas. Numa eterna onda. E o sol ? E aquele vento que bate lá, o Noroeste, brutal e pegajoso. Foram dias difíceis para os homens que não sabiam onde o jardim chegaria ou se acabaria um dia o encaixe das pedras.
Do outro lado da avenida, os homens de terno, chapéu e gravatas olhavam desconfiados para o jardim que nascia. Diziam que as árvores plantadas alí impediriam a visão oceânica, com aqueles chapéus de sol, árvores da Serra do Mar e plantas exóticas. No pensamento , a primeira maré cheia violenta arrastaria todos os ornamentos. Um prejuízo terrível. Os admiradores da obra, afirmavam que valeria a pena ter um jardim tão imenso, vaidade provinciana decerto, mas que levaria a cidade a se destacar das outras cidades litorâneas importantes.
Foi inaugurado com pompa, e afinal , ganhou o amor dos cidadãos que enchem o peito quando falam dele. O jardim não foi batizado, não tem nome - mas está sempre lá, sinuoso, intocado , com uma estátua do poeta Vicente de Carvalho de costas para ele. Maldição.


Homenagem a Vicente,
um nome para o Jardim



Pombas asquerosas e passarinhos vagabundos
fazem companhia hoje em dia a Vicente
Um poeta da terra do jardim sem nome.
Vicente não vivia em Sodoma mas virou estátua de bronze de costas para o mar,
como uma maldição.
Mão enfiada no bolso da calça de forma displicente e na outra mão, um livro de poemas franceses. Um ornamento sem voz, sem aquela alma bravia do estrondo que agora comove-se com a melancolia do por-do-sol. Mistura-se aos cachorros de raça, pequenos traficantes e desocupados. Caminhantes atléticos em busca do corpo perfeito , concentrados nas suas pernas e pés não sabem quem é Vicente, nem querem saber. Da estátua do poeta petrificado, só resta uma sombra, onde descansam um cão e seu dono.




A propósito, Vicente de Carvalho é meu tataravô*. Ele, ao contrário do texto, apoiou o movimento que tornou as praias de Santos , patrimônio público e não se tornasse um conjunto de casinhas à beira mar. Conseguiu a proeza em uma carta ao presidente da época. Com isso , foi projetado o jardim de Santos.
Vicente Augusto de Carvalho, nasceu em abril de 1866 e faleceu em abril de 1924. Portanto muito antes do início da construção do famoso jardim, que já estava em semente.
Um poeta que protegeu o mar e a praia.
Esse jardim podia se chamar Vicente.

3 comentários:

  1. ah, a explicação final é desnecessária. tira um pouco o encanto qse real da narrativa.

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  2. Ele não é meu tataravô, é brincadeira.
    Temos o mesmo sobrenome,só !
    Patricia M.

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