17 de novembro de 2009

Cinderela Tingida


Patricia M.


Quando abri os olhos, percebi o ambiente. Eu estava desmaiada de verdade. Meus olhos procuraram o relógio de pulso na cabeceira e o abajour de gatinhos. Não vi nada disso. Deitada numa cama enorme num quarto estranho. Virei o corpo com dificuldade e havia uma mulher nua, dormindo na cama, ao meu lado. Ela ressonava baixinho e parecia estar em outra galáxia. Eu também estava nua e minhas roupas estavam pelo chão. E não estava em outra galáxia.

Posso escrever uma tese sobre roupas perdidas na hora do tesão. Porque quando a gente faz amor ou trepa com alguém, as roupas ficam espalhadas, amarrotadas e enrugadas. E esse é o tesão da história. Dá vontade de fumar na janela e tomar cerveja. Em motel é impossível, não curto esse ambiente. Prefiro sofás, chão, tapetes e camas normais.
Onde eu estava ? Onde eu estava ? De repente, o frigobar deu um estrondo e eu fiquei assustada. Eu estava num motel. Minha cabeça e meu estômago giraram com força, e quase que minhas tripas saíram pela boca. Corri para o banheiro e o jato de vômito caiu direto no espelho e na pia. Vomitei litros de bile. Estava tão zonza , que bati com a cabeça no canto da pia. Um enjôo violento. Estava sem nenhuma coordenação motora.
Gemi de dor bem alto e morri de medo de morrer alí naquele cubículo gelado. Banho !
Não, nunca tinha visto aquela mulher que dormia , semi-desmaiada.

Só lembro da madrugada, entrei na Lôka com um amigo para dançar até cair e só.Girei , rodopiei, dancei, suei, tomei um comprimido, bebi montes de drinks infernais. Acordei no motel com uma mulher desconhecida. Chequei a mochila: carteira com RG, dez reais , batom , espelho, carteirinha de cinema , caixa de coloração para cabelo da L'Oreal , chicletes, mp3 , celular com pouca bateria e o livro da faculdade para trabalho, Ana Karenina. Uma roubada a história, setecentas páginas. A coitada se mata por causa do Conde. Mas começa numa levada tão boa e verdadeira que não consegui parar de ler.
Todas as famílias são parecidas entre si, as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira. Nada mais certo, não é mesmo ?


Na recepção disse que estava no quarto 703 e que a moça pagaria a despesa.
O rapaz com cara de sonado, olhou no computador e disse:
- Ela já pagou.
Minha cabeça começou a doer novamente, e me senti muito fraca. Acho que foi o choque com a cabeça na pia. Vai nascer um galo.
- Você pode me dizer onde eu arrumo condução prá chegar no centro da cidade ?
- Na rua de trás passa um ônibus que vai até a Barra Funda. Você pode pegar o metrô ou ônibus.
- Valeu, cara.

Quando cheguei na casa da minha madrasta eu estava quase desmaiando. Entrei na cozinha e aquele cheiro de comida e temperos embrulhou meu estômago. A minha madrasta olhou meus cabelos molhados e soltou:
- Puta vadia ! Lésbica sem vergonha !
Ela sempre me chamava disso e tentava me bater. Eu sempre fugia. Mas desta vez levei um tapão. Ela enchou a mão e eu não saí do lugar.
Eu estava bem atordoada , mas voei para cima dela e a soquei até ela cair. Meu pai apareceu não sei de onde e entrou no pugilato. Dois pratos e uma vasilha foram para o chão. Ele me defendeu
da fúria da madrasta. Daí , ela me esqueceu e foi para cima dele. Ele ameaçou quebrar a tv de LCD 42 polegas novinha. Minha madrasta me xingou até cansar e ameaçou-o de cadeia Foi para a Delegacia e fez um BO contra o meu pai. Agressão. Minha família é foda de ruim. Meu pai me adora, sou filha única. Minha mãe morreu quando eu tinha 4 anos. Sou uma peste encantadora.
Minha madrasta, como já falei , me odeia. Sou uma lésbica pecadora.
Fui para o banheiro me olhar. O mapa do inferno. Cabelos precisando de tinta, corte e hidratação. Uma Cinderela que perdeu o sapatinho na Lôka. Lembrei do livro do Tolstoi e fui pra cama tentar ler mais sobre Anna e sua dor e tentar dormir um pouco.

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