5 de novembro de 2009

NAVEGAR É PRECISO. AFUNDAR TAMBÉM.

Eu remava há horas naquele lago sem que meus olhos avistassem a margem. Meu remo, de três metros ao partir, agora media uns vinte e sete centímetros de acordo com minha matemática de estivador. Ela, linda e soberba, apenas lia e escrevia sem parar naquele diário infernal. Nenhuma palavra. Nenhum movimento em minha direção. Nenhum cantinho de pernas aparecendo sob o vestido com cheiro de jasmim. O calor sufocante talvez a impedisse de falar. Era esse o motivo de seu silêncio de colibri. Eu nem sabia mais se estava indo ou voltando. Eu nem sabia mais se eu era um remador, um estuprador, um marido traído ou um fugitivo.

Mas do que eu fugiria? Da morte? Do desejo? E ela, porque fugia? Por ser sereia? Sereias não falam, nós sabemos disso. Elas cantam. Mas só os que sobrevivem podem contar. Remar não dói. O que machuca meu coração mais que minhas mãos é fazer parte da paisagem sem ser notado por ela. De novo: porque ela se cala? Estaria escrevendo um livro e por isso não falava, a fim de economizar palavras para colocar na história? Talvez ela estivesse escrevendo sobre nós. Sobre mim. Uma sereia que escreve, e deve saber nadar. Enfim, isso tudo é enfadonho demais para um remador. Eu paro por aqui. O barco está a fazer água no meio do lago. Os outros barcos nem ligam. Se ela for sereia mesmo, vai saber nadar. Se não for, vamos afundar juntos neste lago sem margem. Afundemos portanto. Lá vem ela.

[Marcos RoMa]

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